A arte de (não) passar recibo
Engraçado como estar solteira - ou solteiro - desperta o interesse das pessoas. A solterice é a viuvez dos tempos modernos. Sabe aquela sua tia-avó que perdeu o marido cedo e nunca mais casou? Ou aquelas histórias das mulheres que se fecharam para tudo porque foram deixadas "pelo grande amor de suas vidas"? Sim, naquele tempo isso acontecia só uma vez e ponto. Não embarcar no trem, independente do motivo, era a sentença para passar o resto da vida sentada na plataforma.
Por mais que homens e mulheres tenham revisto seus papéis e conceitos, muito do que se diz sobre os novos tempos é da boca para fora. Faça o teste. Chegue numa festa com pessoas que você não vê faz tempo. Pelo menos uma delas vai te perguntar se você já casou, está namorando, tem alguém. Até aí tudo bem, faz parte do relatório de conferência da vida alheia, assim como onde você trabalha.
Experimente responder "não" e veja a reação. Das duas uma: ou a criatura vai te olhar com pena - sim, isso existe -, ou vai achar aquilo uma aberração, ainda mais se você já passou dos trinta. Provavelmente vai se afastar porque não terá assunto contigo e a recíproca é verdadeira. Se for casada, este afastamento pode ser porque, pasmem, ela considera você uma ameaça ao casamento. Muitas mulheres não fazem um filtro que sinalizaria que seus respectivos maridos definitivamente não são o último biscoito do pacote.
Nem os mais íntimos escapam. Tem os que acham que o seu sumiço significa alguém no pedaço. Afinal "não podem existir outros motivos para isso". Às vezes, é. Outras vezes, é isso também. Muitas vezes não é, porque existem outros motivos para sumir.
A sociedade estimula a individualidade, mas também não sabe o que fazer com ela. Deveria seguir o exemplo da indústria alimentícia, que lançou faz tempo porções para uma pessoa. Ou do mercado imobiliário, que multiplica em tempo recorde os apartamentos de um quarto. Eles estão aí porque há mais pessoas vivendo sozinhas, mas isso não terminou com o casamento por exemplo. Pessoas continuam casando, descasando e o mundo a girar, simples assim.
Estar solteiro ou solteira, e bem com isso, tem um quê de que algo não encaixa. Certamente há problemas de relacionamento, algum trauma de infância, medo do sexo oposto, tem que haver alguma coisa errada. Bom, se este tipo de opinião continuar lá, na cabeça dos outros, melhor. Nestas horas, opte por não discutir. Dizer que não é nada disso e você tem mais o que fazer não vai mudar a opinião de ninguém. Aliás, discutir é sim um claro sinal de que há problemas.
E se um tema como este surgir numa mesa de bar entre você e um amigo querido, escute com atenção, pondere, e seja fiel às suas próprias conclusões. Estado civil é, tão somente, uma lacuna na carteira de identidade que não segue a mesma velocidade das transformações - e das peças - que a vida nos apresenta e nos prega pelo caminho.
Giovana - está solteira